A declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se queixou do “muito poder” que a Câmara dos Deputados possui, não afeta apenas a relação entre Executivo e Legislativo, mas tem impactos sobre a economia do país. É o que avalia o cientista político e economista Newton Marques.
“Não tem jeito de você imaginar que fica separado. Isso não é só aqui no Brasil. É em qualquer lugar do mundo. Você não pode dissociar as questões econômicas das políticas”, avalia.
O especialista explica que os agentes do mercado financeiro, por exemplo, antecipam os movimentos da economia com base em diversos fatores, inclusive a partir do que dizem os políticos.
“A bolsa de valores é movida por boatos. Não é pelo fato. ‘Ah, a Petrobras descobriu um poço de petróleo’. ‘Mas ninguém confirmou ainda’. ‘O lucro dos bancos vai ser pior do que foi’. ‘Mas nem aconteceu’. Eles trabalham nas expectativas. Então, se tem expectativas negativas, claro que isso vai acabar afetando.”
Ele destaca que, embora o “ruído” entre os poderes tenha se acalmado, a “primeira impressão é a que fica”. “A pasta de dente que saiu do tubo não volta mais”, compara.
A fala do ministro sobre a atuação da Câmara ocorreu na última segunda-feira (16) e gerou mal-estar entre os líderes partidários. Uma reunião para discutir o arcabouço fiscal estava marcada para o mesmo dia, mas o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), cancelou o encontro após a repercussão negativa.
Na terça-feira (15), Lira disse que os deputados ficaram “surpresos” com a declaração do ministro da Fazenda, a qual classificou como “inapropriada”. O presidente da Câmara atribuiu a fala a um “relaxamento excessivo” de Haddad durante a entrevista. No entanto, o parlamentar destacou que o mal-estar não atrapalharia a tramitação de matérias importantes para o governo, como o projeto do novo arcabouço fiscal, que vai substituir o teto de gastos.
“A Câmara nunca foi e não será irresponsável com os temas que são essenciais para o Brasil. Nós discutimos isso hoje no colégio de líderes e ficou marcada uma reunião com o relator, técnicos da Fazenda, técnicos da Câmara e líderes partidários, para que se discuta a questão da modificação do prazo do cálculo do IPCA. Isso sendo acordado, na terça-feira essa matéria vai ao Plenário”, garantiu Lira.
Arcabouço fiscal
Relator da proposta que estabelece o conjunto de regras que vai guiar as contas públicas a partir do ano que vem, o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA) disse que uma reunião marcada para a próxima segunda-feira (21) deve servir para que os líderes partidários decidam se vão manter as alterações que o Senado fez no texto do arcabouço fiscal.
A mudança no cálculo da inflação para o cálculo das despesas do ano que vem é um dos pontos em discussão. Segundo a versão do novo marco fiscal que a Câmara aprovou, as despesas do governo têm que levar em conta a inflação dos 12 meses anteriores à elaboração do orçamento. Assim, para elaborar o orçamento de 2024, a inflação que servirá como base será de julho de 2022 a junho de 2023.
Mas o senador Omar Aziz incluiu uma emenda ao texto para permitir que o governo faça uma estimativa da inflação de janeiro a dezembro de 2023 e, caso ela seja maior do que a inflação compreendida entre julho de 2022 e junho de 2023, possa usar a diferença para aumentar as despesas.
O governo argumenta que a medida é necessária para evitar perda de R$ 40 bilhões no orçamento do ano que vem, pois, em 2022, o país teve deflação por três meses seguidos (entre julho e setembro), o que impacta no cálculo da inflação pela regra original do arcabouço fiscal.