O momento de transição no cenário internacional do sistema de Mensuração, Relato e Verificação (MRV), estabelecido pela Convenção do Clima, para a Estrutura Fortalecida de Transparência (ETF), instituída pelo Acordo de Paris, foi destacado pelo coordenador-geral de Ciência do Clima do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Márcio Rojas, na quarta-feira (21), durante seminário sobre ‘Mercado de Certificados de Captura e Emissão de Gases de Efeito Estufa’, promovido pela Secretaria-Executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), conhecido como “Conselhão”.
“A ambição climática é diretamente proporcional à transparência climática e, necessariamente, devem caminhar juntas”, avaliou Rojas. “É como as asas de um avião. Um avião não consegue decolar só com uma asa”, comparou.
Em 2024 o Brasil, assim como os demais países signatários do Acordo de Paris, deverá submeter o primeiro Relatório Bienal de Transparência (BTR). O documento, cuja elaboração é coordenada pelo MCTI, vai avaliar os progressos de implementação e atingimento das metas das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), financiamento recebido e necessário, entre outras informações. Os dados dos BTRs serão utilizados para elaborar o Balanço Global (Global Stocktake).
Os sistemas de transparência são fundamentais para mensurar e acompanhar as metas de redução de emissões, e a base de um sistema transparência é a elaboração de inventários de emissões gases de efeito estufa (GEE). Os inventários funcionam como diagnósticos, detalhando setores, atividades e gases de efeito estufa, que mais contribuem para as emissões totais de um país, estado, município, empresa ou instituição.
Para impulsionar e estimular que mais organizações adotem essa boa prática, o MCTI desenvolveu a plataforma SIRENE Organizacionais, um módulo do Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE). Lançada durante no COP28, em Dubai, a plataforma pública e gratuita, de abrangência nacional vai receber os inventários de emissões das organizações que quiserem submeter voluntariamente.
Urgência – Por outro lado, a ambição climática reflete a urgência na redução de emissões de GEE Segundo o relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), de 2023, se as políticas no âmbito das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), apresentadas pelos países que fazem parte do Acordo de Paris forem implementadas, não haverá redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) suficiente para conter o aquecimento global em 1.5oC. A projeção é de que a média da temperatura global fique 3 graus mais alta, comparada à era pré-industrial.
“As reduções de gases de efeito estufa precisam ocorrer de forma rápida, profunda e, na maioria dos casos, imediata”, afirmou Rojas.
A mudança do clima também é observada no âmbito nacional. O estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), a pedido do MCTI, sobre a mudança do clima observada no Brasil nas últimas seis décadas, aponta que em áreas do Nordeste houve redução de até 40% na precipitação e que o número de dias com ondas de calor passou de 7 para 52 dias por década. Em algumas áreas do Brasil, a temperatura máxima já estão 3oC mais quente. “Os impactos já são observados e as mudanças climáticas são questões do presente”, disse.
Mercado de carbono – Por videoconferência, o professor das Universidades de Coimbra e de Macau, Paulo Canelas de Castro, fez um panorama do tratado internacional, diferenciando os mecanismos de mensuração de gases e destacou os principais artigos do Acordo de Paris, entre eles o que aborda o ETF e a comercialização de créditos de emissões. Segundo Castro, o mecanismo reforçado de transparência requer sistemas alicerçados em informação clara para evitar dupla contagem e obter efetiva redução das emissões e os mercados de carbono, como são mais conhecidos, são uma abordagem econômica da questão, atribuindo um preço às emissões, para criar incentivos para reduzir emissões e impulsionar a transição para tecnologias de baixo carbono. “Criar um mercado não é um problema apenas interno dos estados. É um problema internacional”, afirmou.
Abordagem intergeracional – Na abertura do seminário, o secretário-executivo da Secretaria de Relações Institucionais, Olavo Noleto, afirmou que o evento faz parte a proposta de existência do ‘Conselhão’ de discutir temas relevantes e de interesse nacional, com abordagem técnica e aprofundada e colocar as informações à disposição das instituições. “Nesse caso, é um assunto que está no centro da agenda mundial e do país”.
No painel inicial, sobre o ‘Estado Democrático do Ambiente’, a juíza do Tribunal Constitucional Português, Mariana Canotilho, abordou a repercussão do tempo nas responsabilidades intergeracionais. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, lembrou que a Constituição Federal de 1988 incorporou a ideia de proteção do meio ambiente como um dever constitucional e que o Artigo 225 aborda a responsabilidade para futuras gerações. “Enfrentamos o problema da justiça climática sem sequer termos resolvido outros problemas relacionados à desigualdade material, acesso desigual ou insuficiente à educação de qualidade, racismo estrutural, fome, moradia”, disse.
A transmissão do primeiro dia do seminário está disponível neste link.