Há sete anos, quando a inteligência artificial ainda estava distante da realidade cotidiana, o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com Universidade Politécnica da Catalunha, da Espanha, iniciaram o projeto Providence com o objetivo de desenvolver uma tecnologia automatizada que pudesse monitorar em tempo real a biodiversidade da Amazônia.
Até o primeiro semestre de 2025, o monitoramento será expandido de modo a cobrir uma faixa que se inicia nas proximidades da Cordilheira dos Andes até manguezais na costa do Pará, na Foz do Rio Amazonas. Nesta terceira fase do projeto, chamada de “dos Andes ao mar”, o Instituto Mamirauá pretende instalar cerca de cem módulos automatizados de monitoramento em 30 localidades com diferentes características do bioma amazônico e de cenários de conservação, incluindo ambientes urbanos e em estados de degradação.
“É uma solução tecnológica que tem capacidade de monitorar de modo automatizado o bioma”, afirma o diretor científico do Mamirauá, Emiliano Ramalho. A tecnologia tem aplicabilidade para monitoramento de sistemas de conservação e gestão.
A primeira fase do projeto dedicou-se a desenvolver a tecnologia com a prova de conceito: um módulo resistente o suficiente para suportar todas as intempéries isolado no meio da maior floresta tropical do mundo ou em qualquer outro ambiente, e de fácil manutenção. Há duas versões: aérea e aquática. Ambas são compostas por uma câmera de alta resolução e um microfone embutido. “O microfone é muito amplo, vai de zero até mais de 100 KHz”, detalha o pesquisador sobre a ampla gama de frequências, que inclui as que não são perceptíveis para o ouvido humano.
Nos últimos quatro anos, na segunda fase do projeto, a tecnologia foi testada e aprimorada em campo em uma unidade de conservação. O projeto-piloto instalou 20 módulos na Reserva Mamirauá, localizada na região do Médio Solimões. Os registros são transmitidos via satélite em diariamente para a base de dados localizada em Tefé, no Amazonas, na sede do Instituto.
A inteligência artificial é utilizada para o processamento dos dados de modo automatizado. O monitoramento acústico, por exemplo, realizado nos quatro anos com a gravação de sons de diferentes espécies, possibilitou o treinamento do algoritmo para identificar diferentes espécies de animais. “Para o equipamento identificar de modo automatizado cada espécie, não basta informar como a espécie canta. O equipamento precisa de várias amostras de boa qualidade da gravação daquela espécie”, explica Ramalho.
A estimativa é de que cerca de cem gravações em boa qualidade de uma espécie vocalizando com diferentes sons de fundo e diferentes circunstâncias precisam ser efetuadas para integrar o banco de dados. Além disso, as gravações precisam ser validadas por especialistas. Atualmente, 45 espécies estão validadas no banco de dados do Providence. A meta é chegar a cem espécies em 2024.
O tempo de monitoramento de quatro anos é considerado pouco para detectar grandes mudanças em ecossistemas, em especial em um local que é preservado, como é o caso do local onde foi implementado o projeto-piloto. Contudo, foi tempo suficiente para revelar descobertas, como o registro da presença de espécies e comportamentos. “Algumas descobertas, fizemos a partir do som. Detectamos espécies que a gente consegue escutar e também o que não conseguimos ouvir. Para a Amazônia, isso é muito importante”, diz.
Gravações do projeto com hidrofones permitiram a detecção da presença de peixe-boi no Lago Mamirauá, um dos lagos mais protegido da Reserva Mamirauá. Desde 2015 não havia registro do mamífero aquático, que pode ficar de 7 a 15 metros debaixo d’água, naquele local. “O peixe-Boi é um bicho que você não vê nunca”, afirma.
A partir dos sons, também foram registradas informações sobre o comportamento dos botos. A mãe e os filhotes têm assinaturas sonoras semelhantes, como um ‘dialeto’, que os difere dos demais botos. “Estamos explorando a capacidade do módulo identificar isso automaticamente. Pode ser uma possibilidade de ter informação individual e não só apenas da espécie”, relata o diretor. Os dados de registro permitem modelar a informação sobre as espécies, estimando presença, rotas e locais onde ocorrem.
De acordo com Ramalho, o Instituto Mamirauá almeja que a ferramenta seja implementada de modo sistêmico e perene. A aplicabilidade da tecnologia para monitoramento, preservação e conservação da biodiversidade é ampla, abrangendo, por exemplo, unidades de conservação, terras indígenas. “Termos um equipamento que fica isolado no meio da floresta com confiabilidade é um grande avanço”, complementa.
Finalista de prêmio internacional – O Providence é um dos seis projetos finalistas do maior prêmio internacional de uso para a proteção de biodiversidade. O resultado da competição XPRIZE Rainforest será revelado em julho, em Manaus (AM).