Por Francisco Alves
“Considerando que os geocientistas geralmente gastam até 70% do tempo tentando identificar, localizar, acessar e compilar dados em um formato utilizável, em vez de analisá-los, a IA generativa pode reduzir esse tempo, ajudando a identificar o potencial de mineralização em uma determinada área de forma mais eficiente. Isso acabará reduzindo os gastos de exploração em estágio inicial, ao mesmo tempo em que aumentará a probabilidade de descoberta”.
É o que defende a Accenture, empresa que está investindo globalmente cerca de US$ 3 bilhões em IA (Inteligência Artificial) generativa visando contribuir para acelerar o processo de “reinvenção” dos seus clientes. E um dos setores que a empresa está priorizando é o de mineração, no qual já tem forte atuação, contando em seu portfólio de clientes com as setes maiores mineradoras globais.
Nessa estratégia, a área de Data & IA será ampliada, passando a oferecer novas soluções setoriais e modelos pré-construídos que ajudarão as empresas a gerar valor. Como parte do movimento, a Accenture também está lançando a plataforma AI Navigator for Enterprise, para orientar “a estratégia de inteligência artificial, casos de uso, de negócios rigorosos, tomada de decisões e políticas responsáveis”. Além disso, a empresa lança o Center for Advanced AI, visando ajudar a maximizar o valor da IA generativa e de outras formas de Inteligência Artificial. O contingente da empresa que se dedicará à área de IA será de 80 mil pessoas no mundo inteiro, através de contratações, aquisições e formação própria.
Segundo a presidente e CEO da Accenture, Julie Sweet, “existe um interesse sem precedentes em todas as áreas da IA” e o conhecimento que a empresa tem das soluções do ecossistema lhe permite ajudar os clientes a navegar de forma rápida para tomar decisões inteligentes. O investimento, diz ela, baseia-se na liderança de mais de uma década da Accenture em IA. A experiência da empresa em Inteligência Artificial abrange mais de 1.450 patentes e pedidos de patentes pendentes em todo o mundo e centenas de soluções de clientes em escala, que vão do marketing ao varejo e da segurança à produção. Segundo a dirigente, a Accenture incorporou a IA em toda a sua abordagem de prestação de serviços, gerando eficiência, insights e acelerando o valor para milhares de clientes por meio de suas plataformas líderes de mercado, como myWizard, SynOps e MyNav. Há seis anos, a Accenture foi pioneira no seu framework de IA responsável, que agora faz parte da forma como ela entrega o seu trabalho aos clientes, sendo, inclusive, incluída no código de ética da empresa e está subjacente ao seu rigoroso programa de compliance de IA responsável.
Para Paul Daugherty, group chief executive da Accenture Tecnologia, “durante a próxima década a IA será uma megatendência. Hoje, a IA generativa já transforma 40% de todas as horas de trabalho. A nossa prática aumentada de Data & AI reúne todo o poder e amplitude da Accenture na criação de soluções específicas para cada indústria. Esse conhecimento ajuda os nossos clientes a aproveitar todo o potencial da IA para remodelar a sua estratégia, tecnologia e formas de trabalho, impulsionando a inovação e o valor de forma responsável e mais rápido do que nunca”.
Avanço no Brasil
Flávio Alves, um apaixonado pelo tema IA generativa, que lidera no Brasil uma área denominada Químicos e Recursos Naturais da Accenture, na qual está inserida a mineração, vê a aplicação da IA em mineração tanto nas áreas de apoio à atividade quanto naquelas mais core. Para ele, nas áreas de apoio o uso da IA generativa é similar ao que acontece em outras indústrias. “Vemos aplicações em recursos humanos, na parte jurídica, para facilitar análise, na área de suprimentos, compras e em toda a parte de finanças e controladoria”. O uso da IA generativa nas áreas de apoio que servem às operações de mineração pode permitir acesso mais rápido a informações, comparações, análises. Como os algoritmos são inteligentes, eles vão aprendendo e se consegue aplicá-los para trazer maior produtividade e otimização nessas áreas. Outro bom uso da IA generativa é na exploração mineral, nos processos de extração em si e depois na parte de concentração dos minerais e refino dos metais.
“Na parte de exploração mineral, temos visto aplicação na identificação de potenciais depósitos. Quando se trata de analisar grandes bancos de dados, com informações de geolocalização e todas as questões relacionadas ao depósito, a IA generativa pode ser usada para identificação desse depósito mineral e para se fazer toda a modelagem da superfície. Normalmente é feita uma modelagem completa em 3D, para entender como é o corpo mineral e fazer o planejamento da lavra. Assim, a IA generativa tem ajudado os geólogos a entender como é a distribuição desse depósito e planejar a exploração de uma maneira mais eficiente sob o ponto de vista de custo e produtividade˜, diz o executivo da Accenture.
Outra área em que a IA generativa está tendo grande aplicação é na melhoria dos níveis de segurança das operações, analisando situações que possam apresentar riscos potenciais (presença de gás tóxico, instabilidade do solo, etc).
A Accenture considera que, “mesmo para engenheiros experientes, o volume de informações de segurança e outros equipamentos envolvidos na realização de reparos e manutenções específicas pode ser oneroso. As habilidades avançadas de linguagem da IA generativa significam que ela pode resumir toda essa documentação e descrever os passos-chaves em um formato facilmente compreensível. Isso pode incluir tudo, desde a produção de materiais de treinamento personalizados até o fornecimento de suporte em tempo real no local por meio de assistentes virtuais”. No caso da ocorrência de falhas, entender a causa pode ser muito difícil, já que os dados relevantes geralmente estão dispersos em várias fontes, documentos e formatos. “Mas a IA generativa pode processar todas essas fontes de dados – registros de produção, leituras de equipamentos, condições climáticas e ambientais, padrões de mudança e muito mais – para sugerir rapidamente correlações e padrões que a análise humana levaria muito tempo para identificar”, conforme a empresa.
“Quando vamos para a parte de processos minerais – diz Flávio Alves — novamente o tema segurança se repete, mas temos visto também aplicações para otimizar os processos de mineração, a melhor forma de extrair o minério, toda a questão de controle de qualidade, para identificar propensão de defeitos na questão de qualidade e do teor de minério. Temos visto bastante testes nessa linha e também para se pensar novos métodos de beneficiamento do minério, para tornar o processo mais eficiente e efetivo”.
Na área de manutenção e gestão de ativos (criação de ordens de manutenção automáticas, os tipos de ferramentas de que se precisa, quais EPI devem ser usados), o uso da IA generativa também pode ser muito efetivo.
“E, por fim, temos visto um pouco de aplicação na parte do ciclo de licenciamento de projetos de Capex, em que há bastante documentação envolvida. Às vezes se precisa analisar pareceres, coisas comuns entre projetos a serem alavancados (os documentos de engenharia são longos e complexos). Então há aplicação para acelerar pareceres e análises que contribuem para toda a parte de licenciamento e do ciclo dos projetos de capital”, acrescenta Flávio Alves.
Hoje, segundo a Accenture, “os funcionários da mineração criam inúmeros relatórios, apresentações de slides e planilhas semanalmente. Estes levam tempo para serem produzidos e muitas vezes são arquivados, para nunca mais serem referidos. A IA generativa pode ser usada não apenas para acelerar a elaboração desses documentos, mas também para descobrir novos insights comparando e correlacionando a riqueza de dados guardados em relatórios históricos há muito esquecidos”.
A segurança de barragens de rejeitos é outra aplicação importante, tanto na análise dos dados de engenharia estrutural, como dos dados dispersos (por exemplo, os sensores que monitoram a estabilidade das barragens).
Garbage in, Garbage out
Uma questão que é muito importante no uso da IA generativa, conforme o especialista da Accenture, é a da alimentação das informações, porque neste caso vale o conceito de Garbage in, Garbage out (se entra lixo, sai lixo). Ou seja, se o banco de dados foi alimentado com uma informação errada, por melhor que seja o algoritmo, a inteligência artificial, essa informação vai ser replicada erroneamente. “Se o algoritmo não tiver uma boa base para trabalhar, para pensar e fazer suas análises, as conclusões obviamente vão ser mais pobres e menos efetivas. Então, é essencial que se tenha um bom entendimento e mapeamento de quais informações são necessárias para resolver determinado problema – seja internamente, quando as informações são mais sensíveis ou confidenciais, seja no acesso a informações externas que estão disponíveis na internet ou bancos de dados públicos em que as informações são menos sensíveis.
É o conceito de Data Lake (Lago de Dados) que é basicamente onde se constrói um ambiente que vai centralizar as diferentes fontes de dados a que se precisa ter acesso para fazer a avaliação do problema de negócio que se quer resolver, ou da área de negócio que se quer atacar”. “A IA ‘bebe’ dessa fonte, portanto é necessário todo um trabalho de se trazer os dados corretos, fazer o saneamento desses dados. As pessoas têm usado muito a nuvem para isso, a fim de colocar em cloud com custo muito mais reduzido e com uma capacidade de processamento importante”, diz Flávio Alves, observando que isso gera uma outra preocupação, quando se passa a mexer com os dados, que é a questão de segurança cibernética. “Por isso temos visto cada vez mais as empresas investirem, num mundo que está cada vez mais conectado, em iniciativas de segurança cibernética para evitar ataques e coisas dessa natureza”. Resumindo a questão, ele acrescenta que se trata de um trabalho de pensar realmente quais as informações que se precisa compor, organizá-las de uma maneira lógica e garantir que essas informações estão num ambiente escalável, seguro e com boa capacidade de processamento. Ele informa que, quando se trata de processos para analisar problemas de negócio mais complexos, que requerem uma capacidade diferente de processamento, algumas empresas têm utilizado computação quântica, para aumentar a capacidade de processamento na resolução desses problemas de negócio.
Baixo nível de digitalização
Indagado sobre as dificuldades geradas pelo nível de digitalização ainda baixo nas empresas para o uso da IA generativa, o executivo pondera que é preciso se pensar de duas maneiras: olhando para trás e daqui para a frente. “O daqui pra frente teoricamente é o mais fácil, pois temos visto que todos os projetos novos já nascem digitalizados e com um nível bom de sofisticação. E se trata de digitalizar não só toda a parte de engenharia, de projeto, de ramp up, mas já fazer todos os projetos dentro do que chamamos digital twins (gêmeos digitais), criando-se um ambiente digital para ficar na mina, na planta ou no porto. Com esses digital twins, pode-se fazer simulações (como aumento da capacidade de produção, mudança no teor do minério, por exemplo). Os projetos recentes, de vanguarda, já nascem digitalizados, então já se tem a informação com bom nível de detalhe. As plantas já surgem com os seus sensores para capturar as informações on line e em tempo real, então pode-se jogar as informações no Data Lake e fazer as simulações. Portanto, daqui pra frente é questão de disciplina para garantir que os projetos vão nascer adequados”, argumenta Alves.
Quanto ao passado, há um desafio importante, porque há uma série de projetos anteriores que já foram feitos, minas antigas, com 30, 40 ou 50 anos, cujas informações são bastante valiosas. Neste caso, há um trabalho a ser feito, que é converter essas informações para o modo digital. “Existem ferramentas, como o gerenciador eletrônico de documentos ou outras ferramentas mais sofisticadas, que conseguem ler documentos físicos e transportar para o mundo digital. Algumas plantas têm coletores de informações que são mais ou menos on line, onde se consegue acessar esses dados históricos, tratar e colocar no modo digital. É um pouco do trabalho de formiguinha. Assim, as empresas precisam avaliar quais dados são relevantes, para compensar esse esforço de ir lá, buscar, digitalizar e passar a operar no mundo digital daqui pra frente. E também identificar quais dados porventura não têm o payback para se fazer o investimento de digitalizar. Então acho que é um pouco olhar pra frente, já nascer correto, digitalizado. Vejo grandes players já trabalharem nesse sentido e exigir que os seus parceiros de engenharia e construção tenham soluções que permitam isso”, aconselha o executivo.
Preparação das pessoas
Outro desafio para adoção da IA generativa é a preparação das pessoas. Na opinião de Flávio Alves, o setor mineral está se desenvolvendo e entendeu a importância disso. “O setor tem preocupação com excelência operacional, tem uma agenda de descarbonização, de ESG, de sustentabilidade, de tecnologia, de mineração do futuro e do que chamamos ‘força de trabalho do futuro’”. Para ele, o setor está se preparando não só para a IA generativa, mas também para adoção de outras tecnologias, como blockchain, caminhões autônomos, centros de operação remota que permite a operação da mina à distância. “Então, a aplicação de tecnologias de vanguarda já é uma realidade no setor, que obviamente percebeu que para isso precisa fazer a recapacitação da sua força de trabalho, seja em novos processos ou novas tecnologias. Temos visto investimentos nesse sentido e um dos investimentos é justamente levar tanto para supervisores que estão no campo quanto para os próprios operadores, que passam a ter contato com uma tecnologia diferente e podem usar o máximo disso. Temos visto capacitação educacional nessas tecnologias e também em como interpretar os dados e tomar decisões. Porque não basta ter a informação. É preciso saber trabalhar essa informação, pensar e ter agilidade para tomar decisão de negócio em cima dela. Então, cada vez mais a operação deixará de ser só um trabalho operacional e se tornará uma operação tática: como lidar com a tecnologia, como interpretar dados. E até trabalhar com modelagem estatística. Vejo movimentos já importantes nesse sentido. Todos perceberam que é uma grande oportunidade de negócio. Pode trazer benefícios e diferencial competitivo, como maior produção, maior competitividade, maior margem, dependendo do que se trata”.
E a Accenture, que considera a mineração como uma das indústrias prioritárias, tem investido bastante nesse sentido. Globalmente, a empresa tem mais de 3 mil pessoas alocadas nas diversas áreas de mineração. Tem um centro de inovação em Perth, Austrália, onde investe bastante em pesquisa, desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias e centros na Europa, no Vale do Silício e no Brasil, onde há um centro de inovação.
No País, recentemente a empresa fez aplicação da IA generativa para um cliente, na área de exploração mineral, sob duas óticas: na primeira, usou informações disponíveis de satélites e de análise de campo para fazer a avaliação dos depósitos minerais (potencial, teor, a melhor forma de explorar, fazer o planejamento); na segunda, dado que foi encontrado um local que tem potencial para exploração mineral, procurou-se, considerando os erros e acertos do passado, usar a IA generativa na análise da documentação do projeto para definir a melhor forma de conduzir a exploração mineral. “Tivemos um caso com bom nível de assertividade, auxiliando o cliente nessas duas rotas e contribuindo para acelerar a tomada de decisão, o que é um diferencial competitivo na etapa de exploração mineral”, conclui o executivo da Accenture.