Por Karen Semeone*
Quando nos debruçamos para analisar as maiores dificuldades enfrentadas pelos contribuintes com relação ao sistema tributário brasileiro, alguns tópicos emergem com mais veemência. Esse é o caso da chamada “Guerra Fiscal”, que em síntese, representa um conflito constante entre Estados para atrair investimentos e fomentar a arrecadação, por meio de incentivos e benefícios fiscais. Vale relembrar que, no modelo atual do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), a tributação ocorre onde a mercadoria é produzida.
Embora o Pacto Federativo garanta autonomia entre União, Estados e Municípios quanto à arrecadação e o recolhimento de tributos, sem que haja interferência entre cada uma destas competências, ocorre que, entre os Estados, cada um deles possui autonomia para determinar quais produtos deseja beneficiar. Isso, ao longo do tempo, foi ensejando a concessão de benefícios e subsídios muitas vezes não aprovados pelo CONFAZ (órgão responsável para deliberação e aprovação de tais incentivos), criando uma redoma caótica de benefícios fiscais no âmbito do ICMS.
Inseridas nesse contexto, as empresas se deparam com a urgência de adequar suas operações e assegurar um ambiente de conformidade fiscal, mesmo que essa comunicação e negociação com o Fisco seja altamente complexa. Sem dúvidas, a demanda por um projeto que contemplasse essa questão e enfrentasse a “Guerra Fiscal” era inquestionável. É de comum acordo que a Reforma Tributária erradicará, de vez, um dos nossos problemas tributários históricos? A resposta, infelizmente, ainda não é certa, por algumas razões.
Entendendo a proposta da reforma para a “Guerra Fiscal”
Após análise e modificações impostas pelo Senado Federal, a PEC 45/2019 retornou à Câmara dos Deputados para nova apreciação, com a expectativa de que a votação ocorra em um futuro breve. No coração do texto, está a simplificação como um antídoto necessário para reduzir a quantidade de tributos e trazer mais justiça fiscal à legislação, com menos exceções e um formato mais igualitário. Com a aprovação, teremos um longo período de transição e coexistência entre o atual modelo e o proposto pela emenda constitucional, o que também trará desafios ao poder de gestão e controle fiscal das empresas brasileiras.
A princípio, a Reforma Tributária apresenta propostas com potencial para enfrentar o quadro. Com a unificação e a instituição do IVA Dual (Imposto sobre Valor Agregado), formalizado pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) na esfera federal e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) no âmbito estadual/municipal, em conjunto ao deslocamento da cobrança do imposto para o destino do produto – e não onde o mesmo fora produzido, a expectativa é de que o ímpeto pela atração de investimentos e essa onda de benefícios e incentivos tributários acabem suprimidos.
Outro aspecto que merece destaque é a relação da PEC com os próprios benefícios fiscais, já que a reforma também tem um viés designado para a diminuição desses incentivos e isenções, com o intuito de promover a equidade e um tratamento tributário similar a todos.
Apesar do objetivo – sustentado por pilares, teoricamente, concretos –, é preciso que o contribuinte esteja atento a detalhes que determinarão a real efetividade da Reforma Tributária em eliminar a “Guerra Fiscal”.
Por que o cenário ainda é incerto?
Uma série de fatores podem servir de parâmetro para olharmos para o impacto da reforma sobre a “Guerra Fiscal” com mais cautela. Primeiro, teremos um período de transição que promete movimentar a criação de leis complementares justamente para operacionalizar esse novo sistema tributário. A abertura para que, nos próximos anos, novas resoluções avancem sobre o projeto, é bastante considerável. Para termos uma ideia, espera-se que o governo ainda defina regimes que favorecerão determinados bens ou serviços, o que retorna à questão dos benefícios fiscais, a exemplo da Cesta Nacional de Alimentos e a chamada “cesta estendida”.
Ademais, ainda sem a aprovação efetiva da Reforma Tributária, acabamos por observar uma pequena “guerra” que já vem sendo travada pelos Estados, que têm majorado suas alíquotas modais ainda em 2023 para sua efetiva cobrança a partir de 2024, visando um possível aumento na repartição sobre a compensação que será destinada aos Estados no cenário pós-Reforma, mas de maneira imediata aumentando a carga tributária para os contribuintes.
Veremos, também, como será a definição das alíquotas entre os Estados e municípios para fins do IBS, outro ponto que pode pesar na balança.
Por fim, em que se considere os avanços demonstrados pela PEC 45/2019, entendo ser muito cedo para afirmarmos de maneira categórica que a “Guerra Fiscal” será extinta no Brasil, sob o risco de novas “guerras” ganharem forma em nossa legislação fiscal. Ao passo que a Reforma Tributária continua sob análise do Parlamento em Brasília, após aprovada, esse novo regime se estenderá nos anos seguintes. É certo que próximos acontecimentos terão interferência direta para a sequência dos fatos, exigindo uma postura de observância para contribuintes interessados em respaldar seus direitos e construir uma relação de isonomia com os órgãos fiscalizatórios.
*Karen Semeone é Advogada especialista em Direito Tributário na Systax. É colunista, palestrante, instrutora de cursos e treinamentos na área tributária e coautora da obra “Mulheres no Direito Vol. I – O Poder de uma mentoria”, pela Editora Leader.
Sobre a Systax
A Systax Sistemas Fiscais compartilha inteligência tributária para os negócios de seus clientes, juntos por menos esforços e tributação mais inteligente. Acompanha diariamente as mudanças da legislação tributária para garantir a atualização constante dos parâmetros fiscais nos diversos ERPs e outros sistemas. Também valida as informações tributárias que constam na Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), permitindo a correta geração do SPED. Para tanto, mantém uma base de dados com mais de 26 milhões de regras fiscais estaduais e federais, abrangendo ICMS, ICMS-ST, PIS, COFINS e IPI. A Systax combina essas regras para gerar e monitorar mais de 3,5 bilhões de itens dos clientes, sistematizando a tributação de todos os segmentos econômicos nas 27 Unidades Federativas.
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