O Relatório sobre o Estado Global do Clima, elaborado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês), divulgado nesta terça-feira (19) mostra que o planeta quebrou todos os recordes dos indicadores climáticos em termos de níveis de gases de efeito de estufa (GEE), temperaturas da superfície, calor e acidificação dos oceanos, aumento do nível do mar, cobertura de gelo marinho na Antártida e recuo dos glaciares.
“Nunca estivemos tão perto – embora de forma temporária neste momento – do limite inferior de 1,5°C do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas”, disse a secretária-geral da WMO, Celeste Saulo, no comunicado. “A comunidade da WMO está soando o alerta vermelho ao mundo”.
O relatório confirma que 2023 foi o ano mais quente já registado em 174 anos de registros. A temperatura média global da superfície ficou em 1,45°C acima da linha de base pré-industrial. A condição do El Niño contribuiu para o incremento da temperatura me 2023.
O relatório aponta que a concentração dos três principais gases de efeito estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) alcançou níveis recordes em 2022 e dados de monitoramento indicam o crescimento em 2023. O nível de dióxido de carbono está 50% superior, comparado à era pré-industrial, retendo calor na atmosfera. A vida longa desse gás significa que as temperaturas continuarão a subir durante muitos anos. A acidificação do oceano está aumentando como resultado da absorção do CO2.
A extensão do gelo marinho da Antártida foram as mais baixas já registradas. Em setembro, o final do inverno, a extensão máxima foi de 16,96 milhões km2, o que significa 1,5 milhões de km2 abaixo da média e1 milhão de km2 menor em relação recorde mínimo anterior.
A temperatura média global da superfície do mar atingiu recordes entre abril e setembro. Ondas de calor marinho de modo generalizado e aquecimento incomum no Atlântico Nordeste – não relacionadas ao El Niño – foram registradas. Mais de 90% dos oceanos registraram condições de ondas de calor em algum momento ao longo de 2023.
Como consequência do aumento da temperatura, que leva à expansão da água, e do degelo dos glaciares, o nível do mar também alcançou recorde. A taxa entre 2014-2023 foi duas vezes maior comparada à década de início dos registros (1993-2002).
De acordo com o relatório, a mudança do clima é um fator agravante de insegurança alimentar. O número de pessoas que sofrem insegurança alimentar aguda chegou a 333 milhões, em 78 países monitorados pelo Programa Alimentar Mundial.
O comunicado do WMO, a ponta de esperança advém das energias renováveis em substituição ao uso de combustíveis fósseis. Em 2023, a capacidade instalada de geração de energia renovável aumentou em 50% comparada à 2022. Foi a taxa mais elevada nas duas últimas décadas.
Lacuna de financiamento – O documento aponta que o financiamento climático deveria ser seis vezes maior. Atualmente, recursos não ultrapassam 1% do PIB global. O custo da inação projetado para o período de 2025-2100, considerando a diferença entre o caminho de 1,5oC e business as usual, está em U$$1,266 trilhões. O comunicado observa que os valores estão subestimados. O financiamento à adaptação a mudança do clima permanece insuficiente. Estima-se que apenas os países em desenvolvimento demandariam U$$212 bilhões por ano.
Cientistas brasileiros reiteram necessidade de reduzir emissões – Dois reconhecidos cientistas brasileiros que integraram os Ciclos de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) concordam que o conjunto de dados do Relatório sobre o Estado Global do Clima demonstra a necessidade de acelerar as medidas para reduzir as emissões de GEE.
Para a ecóloga e professora da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante, o relatório é mais um alerta contundente de que não estamos fazendo o necessário e na velocidade necessária para reduzir as emissões que causam o aquecimento e para lidar com as consequências. “Precisamos atuar em todos os setores da economia para acelerar o processo de transição energética, proteger e restaurar ecossistemas e redefinir padrões de produção e consumo. Considerando o agravamento de injustiças sociais pela emergência climática, é preciso que políticas públicas também promovam justiça e equidade como elementos estruturantes das ações climáticas”, afirmou a cientista.
O físico e professor da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Artaxo, afirmou que hoje não há mais qualquer dúvida para a ciência de que a queima de combustíveis fósseis feita ao longo dos últimos cem anos e que continua a acontecer vai mudar profundamente o clima do planeta, os ecossistemas e a capacidade das populações de sobreviverem, produzir alimentos e terem acesso à água. “Temos que zerar a emissão de gases de efeito estufa o mais rápido possível, de preferência até 2030, e com isso ajudar a construir uma sociedade muito mais sustentável do que temos hoje. Para isso, já temos todas as tecnologias necessárias para reduzir pela metade as emissões até 2030, de acordo com o IPCC. Basta ter vontade política para implementar essas medidas absolutamente necessárias”, analisa.
Segundo Artaxo, se medidas não forem tomadas, “o aumento dos eventos climáticos extremos e o aumento da temperatura, particularmente das regiões tropicais, como o Brasil, pode tornar várias regiões tropicais absolutamente impossíveis de haver vida humana e sobrevivência dos ecossistemas. Temos que evitar isso”, afirmou.
Acesse o Relatório sobre o Estado Global do Clima neste link e o suplemento de eventos extremos neste link, ambos em inglês.