Os centros meteorológicos mundiais indicam que haverá uma rápida transição do fenômeno El Niño para o La Niña entre julho e setembro deste ano. Ainda que não seja possível ter certezas sobre a evolução, a intensidade ou o padrão de abrangência das anomalias de temperatura da superfície do mar do evento, pode-se afirmar que o fenômeno interfere no padrão de chuvas e de temperaturas em várias partes do planeta.
O Centro Nacional de Monitoramento e Desastres Naturais (Cemaden) emitiu nota técnica sobre o assunto relacionando com os possíveis impactos que podem ocorrer. O material tem a ressalva de que ainda não se pode afirmar quais serão os efetivos impactos e as regiões que poderão ser afetadas por falta ou excesso de chuvas. “Continuaremos monitorando e avaliando periodicamente a partir dos dados passados, presentes e previsões futuras”, afirma a diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá.
Os cenários construídos pelo Cemaden consideraram os impactos ocorridos em decorrência do fenômeno. O La Niña ocorreu em 2016, 2010, 2007, 1998 e 1995, sendo que o episódio mais recente perdurou de julho de 2020 a fevereiro de 2023.
O La Niña consiste no resfriamento das camadas mais superficiais, até aproximadamente cem metros de profundidade, do oceano Pacífico Tropical, na região equatorial próxima ao Peru e Equador. O fenômeno pode ter mais de um ano de duração e ocorrer em intervalos de tempo que variam de dois a sete anos. Ele faz parte de um ciclo natural mais amplo, conhecido como El Niño Oscilação Sul, e que inclui estados de aquecimento (El Niño), condições neutras e de resfriamento (La Niña).
De acordo com o pesquisador do Cemaden, José Marengo, ainda não se sabe se a mudança do clima pode estar influenciando os fenômenos El Niño e La Niña. Segundo ele, essa é uma das incertezas globais, inclusive no âmbito do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). “Não temos certeza se o aquecimento global pode afetar o La Niña e o El Niño para que seja mais forte ou mais fraco. Não temos resposta sobre isso”, afirma Marengo.
Impactos do La Niña no Brasil – No Brasil, historicamente, períodos sob a influência do La Niña são associados com chuvas acima da média em áreas das regiões Norte e Nordeste, e chuvas abaixo da média nas regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil. Além disso, normalmente, são anos mais frios. Contudo, segundo a nota técnica do Cemaden, cada edição do fenômeno é única.
“O fenômeno deve se desenvolver na segunda metade deste ano. Então, ainda é difícil saber com precisão quais serão os impactos na temperatura e nas chuvas, porque isso vai depender de fatores como onde se localizarão as maiores anomalias de temperatura no oceano Pacífico, como será a configuração do oceano Atlântico e outros fatores”, explica Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Cemaden.
Baseado nas estatísticas do que ocorreu em anos anteriores, Seluchi projeta que os impactos do La Niña podem se manifestar na primavera de 2024 com redução das chuvas no Sul. “Isso causa preocupação porque a região passou por um período de seca prolongada antes do El Niño, que ainda está vigente. Poderemos voltar a uma situação de seca”, diz Seluchi.
Outra situação com possibilidade de ocorrer na primavera é a de episódios de frio mais intenso, o que pode causar impactos na saúde, afetando pessoas sem abrigo adequado com hipotermia, e na agricultura, afetando culturas que estiverem na etapa de crescimento. “As geadas tardias são ameaça para a agricultura”, diz.
Segundo Seluchi, para as regiões Norte e Nordeste, espera-se uma estação chuvosa “abundante” a partir de outubro e novembro de 2024. Na grande região central do Brasil, englobando Sudeste e Centro-Oeste, os fenômenos El Niño e La Niña não tem muita influência sobre as chuvas.
Seca no Pantanal – O La Niña costuma ter impacto negativo especialmente nas chuvas na parte Sul do Pantanal, que está no Mato Grosso do Sul. Neste mês, a região está encerrando a estação chuvosa em situação de seca. “Nossa maior preocupação em relação ao La Niña está no Pantanal porque agora em março, no final da estação chuvosa já temos uma situação de seca estabelecida”, afirma Seluchi.
Segundo o coordenador, considerando os parâmetros de chuva e nível do rio, a situação do rio Paraguai está degradada, com o nível muito baixo em praticamente todo o curso dentro do Pantanal. A situação é classificada como seca extrema, que é o nível máximo da escala.
De acordo com dados do Serviço Geológico do Brasil, o rio Paraguai está muito abaixo do nível considerado normal para a época. Todas as nove estações da bacia estão registrando níveis negativos para a época do ano. Na estação de Porto Murtinho (MS), a medição de quinta-feira (14/03) indicou dois metros abaixo da média, muito próximo das mínimas históricas. O local está com 2,01m, mas o esperado para março era de 4,06 m. Em Ladário (MS), estação com 124 anos de registros, está em 0,89 m, sendo que o nível esperado para o período era de 2,52m.
Com a previsão do fenômeno La Niña, não se espera uma condição de recuperação na próxima estação chuvosa. “Espera-se uma situação de degradação da vegetação e risco alto de incêndios para o período final da estação seca”, afirma Seluchi. Diante das perspectivas, ele alerta para a necessidade de ações preparatórias para prevenção e estruturas de combate aos incêndios.
A nota técnica produzida pelo Cemaden pode ser consultada aqui.